Quinta-feira 28/03

Da alfabetização à paixão pela leitura

17 de junho de 2021

“Foi naquele dia que eu comecei a ler, quando eu aprendi a ler. Por ver todas as imagens alegres, os personagens, eu me apaixonei na hora.” O dia era 20 de junho de 2018. Larissa Reckzigel, a autora da frase anterior, estudava no primeiro ano na Escola Municipal de Ensino Fundamental Nelly Dahne Logemann. Sua professora era Rosvita Pires.

“Ela sempre teve muita curiosidade com a leitura. Mesmo antes de saber ler ela já ficava folhando gibi, olhando historinhas e fazendo a leitura das imagens”, conta Katia Goelzer, 34, mãe da pequena leitora. A família mora em Lajeado Seco, no interior de Horizontina. Além de Larissa e Katia, moram junto o pai Fábio Reckzigel, 39, e a irmã Marina, 5.

Livros estiveram na vida de Larissa desde cedo. “Quando ela [Larissa] nasceu, um pouco prematura, a gente ficou uns dias no hospital e eu fui comprar um livro pra mãe ler no hospital”, afirma Fábio. Depois que a menina cresceu, ele relata que incentivava o quanto podia que ela lesse. “Ela queria ler, mas não conseguia formar as palavras ainda”, diz ele.

Foi na escola que Larissa aprendeu extrair da junção de letras e palavras um significado. Desde então não largou mais a leitura como sua atividade preferida. Hoje, ela estuda no quarto ano, na turma da professora Alana Mór da Rosa que destaca: “o professor tem papel fundamental no incentivo à leitura, mas acima de tudo a família. Se a família não cobrar, as crianças não vão ter esse hábito.”

A quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, publicada em setembro do ano passado e coordenada pelo Instituto Pró-Livro, confirma o que diz a professora. Entre o grupo de leitores entrevistados, 50% ouviram na infância a leitura dos pais. (Leitores, para a pesquisa, são aqueles que leram, inteiro ou em partes, um livro nos últimos três meses). Já entre o grupo de não leitores, essa porcentagem subia para 70%. Ou seja, crianças cujos pais costumam ler têm mais chances de manter a leitura em seu cotidiano depois que crescem.

Além disso, a pesquisa também mostrou que a faixa-etária que mais lê livros de literatura e por prazer é a entre 5 e 10 anos. Desses, 48% afirmam que leem porque gostam. A faixa-etária que vai de 11 a 13 anos, o número se diminui: apenas 33% lê porque gosta. Entre 14 e 17 anos, a porcentagem é reduzida a 24%.

Quando o assunto é literatura, o principal influenciador no gosto das crianças é o professor: 52% afirmam isso. Na leitura em geral, a porcentagem de influenciados pelos professores é de 15%, e pelos pais de 6%.

Fábio, pai de Larissa, também é leitor, mas afirma que prefere ler jornal. A mãe, Kátia, gosta de autores como Augusto Cury. Em sua casa, sempre teve muitos livros. Assim que educaram Larissa e agora estão fazendo com Marina. “Alguém, a mãe ou o pai, sempre alguém tinha que ler. Com a outra também está sendo assim”, diz o pai.

Marina, a irmã mais nova e estudante da Escola Municipal de Ensino Fundamental São José Operário, ainda não sabe ler. Porém, influenciada pela irmã, já tem muito interesse. “Eu estou começando a só olhar as historinhas e eu gosto de qualquer uma que eu pegar”, afirma sorridente. A mãe relata que desde cedo a irmã mais velha servia de exemplo para a pequena. “Tinha uma época que as duas dormiam no mesmo quarto e a Larissa ficava lendo um livro, e a Marina também ficava folhando.”

 

A professora responsável pela classe de Larissa faz questão de lembrar que “a leitura auxilia [a criança] a compreender o mundo, o cotidiano que a cerca, ter novos conhecimentos, novas ideias”. Alana é formada em pedagogia e trabalha também como professora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

Além disso, ela destaca o caráter multidisciplinar da leitura: “Eu sempre falo para eles que se você não souber ler, não souber interpretar, tu não vai conseguir fazer as coisas da matemática, na história, na geografia”.

“O que eu trabalho muito é a leitura deleite. É a leitura só pelo prazer, sem cobrança. Acho que é a partir daí que começa o incentivo e o gosto”, enfatiza.

Para as crianças em estágio de alfabetização, Alana enfatiza a importância a leitura de cotidiano: “A leitura de cotidiano é essencial. Quando sai com o pai ou a mãe, pedir como é o nome de uma loja, o que está escrito nas placas. Isso incentiva as crianças a entrarem em contato com a leitura.”

Para os maiores, segundo ela, tem que ser coisas atrativas, para que eles tenham vontade de ler. “Quando falei para os meus alunos sobre o sítio arqueológico de São Miguel das Missões, eles ficaram muito interessados, então eu disse que para conhecer o sítio a gente teria que fazer um estudo, fazer a leitura”. Ela afirma que isso despertou a curiosidade e os incentivou a praticar a leitura.

Uma das coisas mais importantes para que as crianças se interessem pelos livros é que a leitura faça sentido para elas. Dificilmente uma criança se interessará por livros de ciência ou de receitas. Histórias que estimulem a sua curiosidade, de acordo com Alana são importantes. Nesse contexto, além da leitura, a contação de história desempenha um papel fundamental, porque envolve a criança de maneira criativa e estimulante.

“A contação de histórias é essencial, porque tu desperta o gosto, eles se sentem parte da história, tu vê os olhos deles brilharem.” Ela lembra do seu tempo de criança. “No meu tempo a gente ia para a biblioteca pública, perto da rodoviária, e uma vez por mês tinha contação de história. A gente esperava por aquele momento.”

A biblioteca mudou de lugar, mas a atividade de contação de história continua. A bibliotecária Rosa Maria Blum, 66, responsável pela Biblioteca Pública Municipal, que hoje se localiza na rua Arnoldo Schneider, destaca que antes da pandemia as escolas costumavam visitar o prédio com as turmas. “A gente deixava tudo organizado, as crianças faziam a leitura dos livrinhos e no final elas [as professoras] faziam a leitura de um conto.”

“Isso é muito importante, porque as crianças têm contato com os livros, com a biblioteca. Desde pequenininhas elas começam a aprender a gostar de vir à biblioteca, olhar os livros, escolher”, segundo ela

O acervo da biblioteca conta com cerca de 17 mil livros. Perto de 3 mil livros é de literatura infantil e infanto-juvenil. Ano passado, devido à pandemia, a biblioteca teve um público bem restrito. Este ano, no entanto, com os cuidados sanitários adequados, o movimento aumentou. Até este mês, a biblioteca já emprestou mais de 2000 livros. Em tempos pré-pandemia, a média de empréstimos anuais, segundo Rosa, ficava entre 6 mil e 9 mil livros.

Para a bibliotecária, que é formada em biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Horizontina tem a vantagem de que a leitura é bastante acessível. “As crianças têm possibilidade de comprar livros e todas as escolas têm bibliotecas.” Mesmo assim, acrescenta, “tem muitos pais que podem comprar, mas preferem pegar da biblioteca, para motivar a criança a conhecer a biblioteca”.

Os temas mais procurados pelos jovens na Biblioteca são fantasia e mistério. Entre as crianças, fazem muito sucesso as coleções de diários, como Diário de um Banana e Diário de Uma Garota Nada Popular. Já os adultos, segundo Rosa, costumam procurar romances, como os de Nora Roberts, e aqueles que falam sobre espiritismo ou espiritualidade.

Curiosamente, quem mais costuma ler os clássicos da literatura brasileira e mundial são os adolescentes, normalmente incentivados pelas leituras obrigatórias do ensino médio e vestibulares.

A pandemia afeta a leitura

A pandemia também impactou o hábito de leitura das crianças. Katia afirma que Larissa sentiu muito por não poder retirar livros na escola.

“Teve um dia que ela viu a mensagem no meu telefone que a professora tinha mandado de que os pais eram para ir à escola retirar os livros. Ela ficou muito feliz achando que era da biblioteca. Na verdade, eram os livros de português e matemática que os pais tinham que buscar”, lembra a mãe.

Na visão de Alana, os alunos mais afetados com a falta de aulas presenciais foram aqueles com hábitos diferentes da família de Larissa e que não puderam ler durante a pandemia. “Antes eles tinham mais contatos conosco. Durante a pandemia, as famílias muitas vezes não tinham tempo para ficar com eles, deixavam com a vó e deixavam com o celular, brincar mais livre. Para alguns que não tinham o interesse, a pandemia afetou.”

Ela ainda acrescenta que notou, neste ano, uma grande dificuldade dos alunos em interpretação e leitura. Isso se deve, na sua visão, ao ano de aulas remotas que atrasou o desenvolvimento das crianças. “Esse atraso das crianças vai ser notado ainda mais quando elas estiverem saindo do Fundamental”, afirma.

A pedagoga destaca que o impacto da leitura no desenvolvimento das crianças é muito grade. “Você vê muito quem lê e quem não lê, além de contribuir no processo de alfabetização, ajuda na construção da linguagem.”

Em sala de aula, uma atividade que incentiva a leitura e que Alana faz questão de manter é a ficha de leitura. Depois de ler o livro, o aluno deve relatar o que leu e convencer um colega a retirar esse livro. “Eles têm que vender o livro para o colega. Contar a história para que o colega tenha interesse em retirar aquele livro para fazer a leitura.” Esse exercício, diz ela, os obriga a compreender o que o livro está falando e extrair do livro as partes mais importantes e mais legais.

Matéria escrita por Guilherme Freling – estudante de Jornalismo

 

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